Katniss Everdeen

Levei dez segundos inteiros para acreditar que ele estava falando sério. 

- Você está falando sério! – acusei, totalmente chocada. 

- Por que motivo eu brincaria com uma coisa dessas, Everdeen? – agora ele estava zangado – E não fuja do 

assunto! 

- Assunto? Que assunto? – gargalhei, a situação era tão sem sentido que chegava a ser ironicamente engraçada.

- Do que você está rindo? – a mão dele alcançou a minha, apertando-a. 

- Do que você está falando? – respondi no mesmo tom ríspido que ele usou. 

- Eu já pedi para você parar de fugir do assunto. Por que você estava flertando com meu primo? 

- Flertando com o seu primo? De onde você tirou isso? 

- Eu vi vocês dois. "Amor, eu estive lhe procurando" – fez uma infame imitação de Peter. 

- Ele estava me ajudando a sair de um pequeno problema. - Sei. 

O tom irônico com que ele disse aquela pequena palavra teve o poder de me irritar de verdade. 

- Você bebeu, Mellark? – soltei minha mão. 

- O quê? 

- Eu perguntei se você ingeriu algum líquido alcoólico. – falei bem devagar, irritando-o propositalmente – Porque essa é a única explicação plausível para nós estarmos tendo essa conversa absurdamente ridícula.-

Ele estava agindo como um namorado ciumento. Eu me dividia em feliz por ele estar com ciúmes e brava por ele desconfiar de mim. 

- Ridícula? Você é que vem agindo como ridícula! 

Agora eu estava totalmente brava. E com raiva. Com muita raiva. - O que você disse? 

- Em um momento você decide me ajudar e no seguinte, tenta sabotar tudo? Por que não disse "não" de uma vez? - começou a andar de um lado para o outro passando a mão pelos cabelos, o que eu reconheci como um gesto tipicamente Peeta de demonstrar descontentamento e nervosismo. – Você não vai ao nosso jogo, você flerta com meu primo no cinema, você flerta com meu primo em uma festa onde toda minha família está presente. Não é mais fácil ir até eles e contar de uma vez que é tudo mentira? Pouparia esforços desnecessários de sua parte. 

Meu queixo caiu. Então era isso. Eu deveria ter desconfiado desde o princípio. 

Todas essas atitudes era medo de ser descoberto, não ciúme. 

- Eu nunca ouvi uma besteira tão grande em toda a minha vida, Mellark. – ergui meus braços, meu tom beirando a histeria - Como você disse, eu estou lhe fazendo um favor. – falei, ríspida – Se quisesse por um

fim a tudo isso, não usaria qualquer tipo de subterfúgio. Eu não sou tão imoral assim. Por isso acho bom você se controlar porque não tem qualquer tipo de direito sobre mim. Nós temos um acordo Eu dei minha palavra e vou cumpri-la. 

Engoli em seco. E só agora percebi que estava tremendo. 

- Então não há necessidade de você sair por aí batendo no peito e grunhindo como um homem das cavernas. 

Ainda mais quando não tem ninguém vendo, não é? – sorri, cínica - Não precisa agir como um namorado ciumento. 

A última parte foi totalmente carregada de ironia, mas isso doeu mais em mim do que poderia tê-lo atingido. 

Doía saber que nunca passaria de ironia, que ele nunca seria meu namorado e que nunca sentiria ciúmes de mim. 

- Katniss... – seu tom continha um aviso. 

- Oh! Talvez seja uma estratégia! Talvez você esteja usando subterfúgios. Você quer arrumar um motivo para nós "terminarmos" – fiz aspas com os dedos. Eu soava maluca aos meus próprios ouvidos, mesmo assim não conseguia parar.

- Ora! Você não precisava de todo esses esforços desnecessários. – fiz questão de usar o mesmo termo que ele usou – Era só ter me falado. Quer uma cena grande com lágrimas e tudo que temos direito? Ou prefere um rompimento clichê do tipo "não é você, sou eu"? 

- Katniss... 

- Eu, particularmente, prefiro o "não é você, sou eu". Nós podíamos usar esse amanhã à tarde. Eu vou à sua casa e nós fingimos ter uma conversa séria. Então termino com você e ninguém vai ficar bravo com o garoto maravilha aqui. – dei dois tapinhas no ombro dele. – Era isso que você queria, Peeta? 

- Katniss... 

- Ou nós podemos terminar agora mesmo! Poupar tempo! Nós... 

Peeta se moveu tão rápido que eu nem vi o ataque chegando. Em um momento ele estava na minha frente, no seguinte ele estava colado a mim, prensando-me em seu carro. Uma mão segurava minha cintura, a outra estava em minha nuca. 

Ele estava perto, muito perto. 

- Chega. - falou baixo.

Tive a impressão de que ele se referia a algo além da conversa. Porém meus pensamentos, no momento, não tinham muito crédito, pois meu cérebro virou mingau no segundo em que o hálito de menta de Peeta bateu em meus lábios. 

- Chega. – repetiu, um pouco mais alto que um sussurro. 

Então, ele abaixou a cabeça e seus lábios encostaram-se aos meus. Não foi suave e calmo como na outra vez. 

Dessa vez foi Peeta quem tomou o controle. Ele mordiscou meu lábio inferior a fim de que eu abrisse a boca e saísse do estado congelado em que me encontrava. 

Queria poder dizer que fui forte e não me deixei levar. Queria poder dizer que me lembrei das acusações absurdas que ele me fez, por isso o empurrei e o deixei sozinho no estacionamento, saindo com a cabeça erguida e a dignidade intacta. 

Não preciso nem mencionar o quanto essa vontade foi inútil. Não fiz o que eu queria. Melhor, não fiz o que minha razão queria que eu fizesse. 

Porém fiz exatamente o que meu coração minado clamava: apertei os lábios e correspondi ao beijo. 

Nossas línguas duelavam, fazendo uma gama de sensações e reações atingirem meu sistema nervoso.

Sentindo meu coração disparar e minhas mãos se moveram quase que de maneira automática, pousando nos ombros fortes dele. 

Seus braços eram barras de ferro ao meu redor, me abraçando de maneira firme, mas sem machucar. Eu me sentia segura ali. Eu me sentia em casa. 

Ele mudou o ângulo, aprofundando o beijo e eu senti que flutuava em um sonho doce onde a única coisa real e importante era Peeta. Senti meus pulmões implorarem clemência, mas eu não sairia de lá por nada no mund... 

Uma falsa tosse interrompeu meus pensamentos e nosso beijo. Peeta virou a cabeça e eu imitei sua ação. 

Parada a poucos metros de nós, Sra Mellark sustentava um sorriso satisfeito. 

- Queridos, nós estávamos procurando vocês. Seu pai vai fazer o discurso em dez minutos Peeta e gostaria que 

todos nós estivéssemos lá para apoiá-lo. Vejo vocês lá dentro em dois minutos. – dizendo isso, caminhou de volta ao prédio. 

Senti minha garganta secar, para logo em seguida formar um bolo horroroso que quase me impedia de respirar. Empurrei-o para longe, saindo de seus braços.

Errar uma vez é humano – Errar duas vezes é compreensível – acreditar que ele estava com ciúmes; Errar três vezes é total estupidez – acreditar que esse beijo foi por vontade própria. 

Tentei formar uma máscara de indiferença, mas percebi que falhei miseravelmente quando Peeta me lançou um olhar interrogativo. 

- Eu agradeceria se você parasse de me beijar todas as vezes que algum dos seus parentes se aproxima. – minha voz estava rouca – Você não precisa se preocupar. Eles não vão descobrir. Não há motivo para você fazer tamanho sacrifício em nome da nossa farsa. 

- O quê? Eu não sabia que minha mãe estava ali... 

- Claro que não. – Sibilei, ferida. 

Tentando juntar o máximo de dignidade que me restava, dei-lhe as costas e voltei ao prédio. 

Quando cheguei à mesa, não respondi as piadinhas de Cato nem as perguntas de Madge. Na verdade, eu nem mesmo olhei para qualquer um dos ocupantes da mesa. 

Peeta chegou pouco depois. Não que eu tenha desprendido minha atenção da decoração azul, mas eu ouvi Madge falar freneticamente com ele e suas respostas monossilábicas. Senti o olhar dele sobre mim o tempo todo, mas nem mesmo por decreto eu o encararia naquele

momento. Os Mellarks e os Hawthorne logo perceberam o clima pesado que envolvia nós dois e pouco a pouco a conversa foi morrendo. Eu me sentiria mal por "estragar" a noite dos Mellark se não estivesse ocupada demais sentindo pena de mim mesma e raiva de Peeta. 

Quase gritei de alívio quando Sr e Sra Mellark voltaram para a mesa após o discurso – do qual não ouvi uma única palavra, anunciando que estávamos de partida. 

Enquanto caminhávamos para fora do salão, aproximei-me de minha melhor amiga e de seu namorado. 

- Gale, Madge, sei que isso é muito incômodo, mas vocês poderiam me dar uma carona de volta para casa? – supliquei. 

- É claro que podemos, Kat. Não é incomodo nenhum. – o moreno respondeu. – Mas você não acha melhor conversar com ele? 

- Ele é a última pessoa com quem quero conversar, Gale. Hawthorne assentiu. 

- Então vamos. 

Quando alcançamos o estacionamento, Peeta caminhou até o carro e abriu a porta do carona para mim.

Passei reto por ele até chegar ao Jaguar, abri a porta traseira e me acomodei lá dentro. 

- Katniss... - ouvi ele me chamar. 

Fechei a porta, me afastando fisicamente dele. Quisera eu ser tão fácil assim me afastar mentalmente dele. 

xxx 

- Já vai. Já vai. – gritei, cambaleando em direção a porta. 

A campainha soando dezenas de vezes por minuto me acordou de um sono profundo e me fez descer as 

escadas apressadamente, preocupada. Afinal, uma pessoa só estaria tão desesperada se fosse uma 

emergência. 

- Que demora! 

O furacão Madge resmungou quando abri a porta. Revirei os olhos. 

- Eu estava dormindo, coração. E meus pais saíram. Posso saber o motivo de tanto desespero? 

- Posso saber o motivo de tanto mau humor? – ironizou, me empurrando de leve e entrando na casa.

- Eu estou de mau humor porque odeio que me acordem cedo no sábado. – respondi, fechando a porta e indo até a sala, onde minha melhor amiga já tinha se acomodado em um dos sofás. 

Sentei-me também. 

- Já é quase meio-dia, senhorita Everdeen. 

Isso não me surpreendeu muito, afinal, levei horas para conseguir pregar os olhos ontem à noite. 

- Tanto faz. – dei de ombros, reprimindo um bocejo – A que devo a honra de sua visita? 

A expressão de seu rosto mudou, ficando séria. 

-Kat, você sabe que eu sou sua melhor amiga antes de ser sua cunhada, não é? 

Assenti. 

Na verdade, ela era apenas minha melhor amiga. Contudo deixei-a continuar na ilusão. 

- Você pode me contar o que quiser. E isso inclui as brigas com meu irmão. – fixou os olhos nos meus. – Certo? 

- Certo.

- Você quer me contar o que aconteceu ontem? 

- Não foi nada demais. – desviei o olhar 

- Katniss... 

- É, sério, Madge, foi uma briga comum. Coisa de namorados, você sabe como é. 

- Acho que foi um pouco séria demais. 

- Não. É impressão sua. – forcei um sorriso. 

- Tem certeza que não quer me contar? 

- Já disse que não há nada para contar. Nós não... 

A campainha me interrompeu. Franzi o cenho. 

- Já volto. – falei ao me levantar. 

Abri a porta e percebi que o dia podia ficar muito pior do que eu imaginava. Peeta - totalmente deslumbrante em uma pólo branca e calças jeans - estava parado no meu alpendre. 

Como se já não fosse ruim o suficiente eu ter que encontrá-lo tão cedo depois dos últimos acontecimentos, eu ainda tinha que encontrá-lo enquanto usava meu pijama de vaquinhas. Patética. 

- Por que, Deus? Por quê? – deixei escapar, olhando para cima.

- Katniss, o que está acontecendo? 

Ouvi Madge se movimentar, logo depois ela apareceu ao meu lado. 

- Peeta? O que você está fazendo aqui? Eu disse que vinha conversar com ela. 

- Eu sei, mas não consegui esperar. Eu precisava conversar com a Katniss 

Eles conversavam aos sussurros como se isso me impedisse de ouvir alguma coisa. Eu estava bem ao lado. 

Pelo amor de Deus! 

Revirei os olhos. 

- Eu disse que nós precisávamos ter uma conversa entre amigas antes de você vir aqui. 

- A Katniss agradeceria se vocês parassem de falar dela como se ela não estivesse presente. – resmunguei. 

Eles pareceram envergonhados. 

- Eu preciso falar com você. – Peeta disse. – Você pode nos dar licença um minuto, Madge?

- Nem pensar. – chacoalhou a cabeça – Vou ficar aqui e garantir que você use a educação que mamãe lhe deu. 

Não me surpreendi. A loira podia ser extremamente intrometida quando queria. 

E nem seria uma D.R. de verdade, então não havia problema algum. - É um assunto particular! – exclamou. 

- Pensasse nisso antes de fazer as idiotices que fez na noite passada. 

Será que Peeta havia contado à irmã o que acontecera? Não... pouco provável. Talvez a loira só estivesse me apoiando para honrar nossa amizade. 

Eles se encararam durante um tempo até que ela maneou a cabeça então ele soltou um suspiro e voltou sua 

atenção para mim. 

- Eu sinto muito por tudo que fiz ontem, Katniss. Eu agi como um idiota. Eu gostaria de me desculpar apropriadamente levando-lhe para almoçar na Capital. 

- Ótimo! Isso vai ser ótimo para vocês. Vá se trocar. – minha amiga me empurrou para escada. – Eu fico aqui com Peeta até você estar pronta.

Franzi o cenho e comecei a juntar as pequenas peças. Peeta sabia que Madge estaria ali e sabia que eu não poderia recusar o convite na frente dela – a não ser que quisesse ouvi-la reclamar o dia inteiro por eu não ter aceitado sair com o meu "namorado". O que não fazia sentido era o porquê dele se dar ao trabalho de tentar consertar as coisas. Eu disse que continuaria com a mentirinha. 

Talvez ele esteja planejando um "cada um para um lado" quando chegarmos à cidade vizinha. 

Senti minha cabeça latejar. 

Talvez fosse melhor eu parar de tentar enxergar uma conspiração por trás de tudo que acontece em minha vida. Isso provocava enxaquecas terríveis. 

Coloquei uma calça escura qualquer e uma blusa roxa de mangas compridas. Calcei uma bota preta sobre a calça e penteei os cabelos. Minha autoestima subiu alguns pontos quando me olhei no espelho. 

Estava pronta para encarar meu anjo mal. 

Peguei minha bolsa e coloquei tudo de importante lá. 

Ouvi risadas quando cheguei à sala. Pelo menos tudo voltara ao normal entre eles. Eu não queria ser pivô de uma discussão entre irmãos.

- Vamos? – falei com todo o entusiasmo que sentia, o qual se reduzia a menos que zero. 

Eles se levantaram e saímos de casa. 

- Vejo vocês depois. – ela gritou, entrando no Porshe amarelo. 

Nossa viagem foi feita no mais pesado silêncio. Eu poderia pedir para ele me levar de volta para casa, mas se Madge sequer desconfiasse que nós não tivéssemos nosso "encontro reconciliatório", eu teria que inventar mais desculpas do que poderia imaginar. Ele estacionou o carro em frente a um restaurante que era decorado para parecer uma típica lanchonete dos anos 70. 

Abri a porta e sai do carro. Virando o pulso, consultei meu relógio. Talvez eu consiga pegar a próxima sessão de cinema. 

- Nos encontramos aqui em duas horas? 

- O quê? 

- O.k. Pode ser uma hora, se você quiser. – dei de ombros. - Do que diabos você está falando? 

- Esse não era o plano? Fingir que teríamos um encontro então quando chegássemos aqui cada um iria para um lado? 

Ele pareceu indignado.

- Não sei como você chegou a esse raciocínio, mas está bem longe da verdade. 

Arqueei a sobrancelha. 

- E o que pretende então? 

- Nós vamos conversar. Como já disse, quero me redimir. Certo. E eu sou o Batman. 

Antes que eu pudesse protestar, ele agarrou meu pulso e puxou-me delicadamente para dentro do restaurante. 

Encontrei-me sentada em um dos grandes bancos de estofado azul. Do outro lado da mesa quadrada, Peeta me encarava atentamente. 

Uma garçonete adolescente apareceu ao lado da nossa mesa. Ela era ruiva e tinha um sorriso simpático. 

- O que vocês desejam? 

- Nós queremos duas Cocas, por favor. – ele respondeu. 

A garota sorriu mais uma vez antes de sair. Depois de um tempo, Peeta começou:

- Eu sinto muito por ontem à noite. Eu agi como um idiota. Meu comportamento foi lastimável, mas espero que você possa me perdoar. - seus olhos não deixaram os meus nem por um segundo. 

A raiva não tinha desaparecido e muito menos a dor. Porém não fazia sentido Peeta ter que pagar por minhas escolhas idiotas e por minha imaginação incontrolável. 

- Está tudo bem. Talvez eu também tenha perdido a calma ontem. – respirei fundo – Eu também falei sério quando disse que lhe ajudaria com essa história de namoro. Você não precisa se preocupar com isso. 

- Certo. – pareceu aliviado. 

- Porém vamos manter aquela minha condição sobre os beijos, o.k? 

Seus olhos me encaravam intensamente quando ele assentiu com a cabeça, concordando. 

- Todavia, devo acrescentar que não tinha visto minha mãe ontem. - Ah! Realmente? Então por que me beijou? 

- Peeta, por quê? – pressionei depois de alguns minutos sem resposta. 

- Não sei. Não sei. – bufou.

É claro que ele não tinha uma resposta convincente para dar. Afinal, ambos sabíamos a verdade. 

- Não precisa haver mentiras entre nós. – esbocei um sorriso. – Não precisamos enganar um ao outro. 

Katniss Everdeen você é tão hipócrita. Fala como se não tentasse se enganar o tempo todo e como se não mentisse para ele sempre que tem que fingir que já superou seus sentimentos por ele – mesmo fingindo muito mal. 

- Você tem razão. Eu não quero perder a amizade que estávamos construindo. – alcançou minha mão sobre a mesa e a apertou de leve. 

- Aqui está o refrigerante de vocês. Desculpe a demora. – a ruiva apareceu, trazendo nosso pedido. 

Aproveitei a deixa para separar nossas mãos. Podia ser inútil, contudo eu estava decidida a lutar para me afastar dele. Mesmo que morresse na batalha. 

Assim doeria um pouquinho menos quando terminássemos a farsa e Peeta sumisse sem olhar para trás. 

- Amigos? – falei, tentando fazê-lo parar de me olhar de uma maneira tão intrigante.

- Amigos. – um pálido dublê de seu sorriso apareceu. – Você assiste House? 

- O quê? – fiquei tonta pela mudança brusca de assunto. Ele riu. 

- Perguntei se você assiste a série House. Não é isso que os amigos fazem, interessam-se pelos interesses dos amigos? 

- Ah! Certo. – respondi, voltando a realidade – Eu adoro House e você? 

- É a melhor série de TV que já foi produzida. 

E assim se passou o almoço e mais três horas. Por incrível que pareça, eu consegui relaxar e ser eu mesma – como se realmente fossemos amigos. 

Não fazia ideia de que conversar com ele poderia ser tão fácil e divertido. Os assuntos eram amenos e variavam desde a banda de rock favorita até qual CSI era o melhor. Eu achei que já tinha um arquivo repleto de informações sobre os gostos e desgostos desse Mellark, mas descobri que estava errada. Peeta era muito mais interessante do que eu sequer poderia imaginar.

- Sem chances, Mellark. – chacoalhei a cabeça – Horatio é bem melhor que o Mac. 

- Eu não estava falando dele em particular, falava da história inteira de CSI NY. É bem melhor que Miami, bem mais real. 

- Eu também estava falando da história. Ou será que você não sabe que a estória de CSI Miami não seria nada sem Horatio? 

- Ele nem é tão bom assim. 

Bufei. Então comecei a rir, percebendo o quão infantil nós estávamos sendo. Parecíamos duas crianças no parque discutindo se o Batman era melhor que o Superman. 

Ele franziu o cenho frente as minhas risadas. 

- É que tudo isso... essas discussão. – ri mais ainda. 

Peeta entendeu onde eu queria chegar e acabou rindo junto comigo. Controlei a risada a fim de falar: 

- Vou ao banheiro. Já volto. 

Ele assentiu. Peguei minha bolsa, levantei e segui até o toalete. 

Eu ainda ria enquanto caminhava de volta à nossa mesa. Contudo, o sorriso morreu em minha face quando visualizei o nosso lugar. Peeta estava acompanhado de uma bela morena. A garota estava muito perto

dele, olhando-o deslumbrada. Peeta parecia desconfortável - talvez estivesse preocupado achando que eu voltaria lá e faria um escândalo ou então espantasse a garota, fazendo-a pensar que ele era comprometido - mas não fazia qualquer movimento para tirá-la de lá. 

Não havia motivo para preocupações, pois notei – depois de uma boa verificada - que nenhum conhecido nosso estava no local. Então eu não precisava fazer cena alguma. 

Fui até o caixa e disse qual o número da mesa. O gerente me entregou a conta, depois de pagá-la, fui até o lado de fora do restaurante e me sentei em um dos bancos que havia do lado de fora. 

Eventualmente Peeta teria que sair. Quando o fizesse, nós poderíamos voltar para casa. Fiquei ali, tentando me distrair com qualquer coisa para não pensar no casal lá dentro, pelo que pareceram horas. Até que ouvi: 

- KATNISS! 

Peeta surgiu ao meu lado, parecendo infinitamente aliviado. 

- Oi, Peeta. Você vai me levar para casa ou prefere que eu pegue um táxi? 

- Onde você esteve? Eu fiquei lhe esperando sair do banheiro durante quinze minutos! – ignorou minha pergunta – Então pedi para Rose ver se

você estava lá dentro. Você tem a mínima noção de como fiquei preocupado quando ela voltou dizendo que não havia ninguém lá? Fui ao caixa pagar a conta e descobri que já estava paga. Seu celular não atendia. Eu já estava pronto para ir à polícia! 

Meu cérebro só prestou atenção em uma parte: 

- Rose? Então esse é o nome dela? 

- Então agora será que você pode me explicar o porquê ter sumido e... o que você disse? 

- Perguntei se Rose era o nome da sua morena. – dei de ombros. - Mas do que diabos... 

Ele parou, parecendo finalmente entender a situação. Assisti a preocupação em seus olhos ser consumida por chamas de raiva. 

- Katniss, você está tentando dizer que me abandonou lá dentro porque viu aquela garota sentada na nossa mesa? 

Dei de ombros e, tentando disfarçar o quanto aquele fato me machucava, olhei para o outro lado. 

- Eu não queria interromper. 

Ouvi um rosnado.

Peeta sentou-se ao meu lado, então me vi obrigada a olhá-lo – não queria parecer uma criança tentando fugir do problema. Ele respirou fundo algumas vezes, parecendo tentar se acalmar. Quando falou, foi bem lentamente, como se pensasse que falar em tom normal deixaria escapar algo indevido. 

- Pouco depois de você ter se levantando aquela garota se sentou ao meu lado. Eu tentei dizer educadamente que estava acompanhado, mas ela não prestava atenção. Tive que ser bem direto para que ela desse o fora. 

Esperei você durante quinze minutos até que pedi para Rose, a garçonete ruiva que nos atendeu, checar o 

banheiro. Depois que descobri que você não estava lá, eu saí para ir à polícia porque achei que algo de muito ruim tinha acontecido para você desaparecer desse jeito. 

- Então vocês não estavam tendo um encontro? – a incerteza presente na voz. 

Senti como se uma tonelada de chumbo tivesse saído de minhas costas. 

- É claro que não. 

- Ela é muito bonita.

- Você é linda. E eu estava tendo um encontro com você. 

Não pude evitar a batida mais forte que retumbou em meu peito ao ouvi-lo falar aquilo. Mesmo sabendo que Peeta se referia a um encontro de amigos. 

Respirei fundo. 

- Desculpe por ter saído daquele jeito. – comecei, baixinho – Sem avisar nada. Eu não medi as consequências. 

Isso pareceu acalmá-lo. 

- Desculpada. – sorriu – Desculpe por ter deixado aquela garota sentar em nossa mesa. 

- Desculpado. 

Então, de repente, todo o clima ruim havia se dissipado – como se nada estranho tivesse ocorrido. 

- Vamos embora? – sugeri. 

- É uma boa idéia. 

Levantou-se e estendeu a mão para mim. Segurei sua mão, usando-a como auxílio para me levantar também.

Depois que me endireitei, tentei retirar minha mão da dele, mas Peeta segurou-a firme e entrelaçou nossos dedos. 

Olhei curiosa de nossas mãos juntas para seu rosto. Ele não retribuiu meu olhar, contudo vi um sorrisinho no canto de seus lábios. Então, de mãos dadas, andamos até seu carro. 

Lamentei quando Peeta estacionou em frente minha casa. Porque, contrariando todas as minhas expectativas, o dia foi ótimo. Caminhamos a passos lentos até a porta, dessa vez mantendo nossas mãos a uma distância segura. 

- Er... bem, tchau, Peeta. Vejo você na segunda-feira. – falei, um tanto quanto desconfortável, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha. 

- Até segunda, Kat. – disse, mas não fez nenhum movimento para ir embora. 

Franzi o cenho. Não tinha ideia do que ele pretendia fazer. Seus olhos estavam tempestuosos, como se ele lutasse contra alguma coisa. Estava começando a me preocupar de verdade quando Peeta se moveu. 

Inclinando-se para frente, pressionou seus lábios nos meus. - Tchau, Katniss. – sussurrou.

E antes que eu pudesse piscar, Peeta já tinha entrado em seu carro e acelerado para longe. 

Quando finalmente me recuperei do choque, percebi uma coisa: Não havia ninguém por perto. 

xxx 

Eu me sentia leve na manhã de segunda-feira. Em parte por Peeta e eu termos definido as coisas – então não me sentia mais tão constrangida perto dele – e em parte porque não foi conosco para escola – o que me poupou de um interrogatório. 

E durante o decorrer do dia, tudo parecia melhorar. As pessoas estavam se acostumando com Peeta e eu como um casal por isso já não nos encaravam tanto. 

As aulas foram rápidas e o intervalo logo chegou. 

Encontrei somente Clove e Madge em nossa habitual mesa. - Oi, gente. – sentei. – Cadê os meninos? 

- Ah! Já tá com saudades do seu homem? – Clove riu. 

- Poucas horas sem se ver e o coração já bate mais devagar? Revirei os olhos.

- Vou ignorá-las. 

Elas riram. 

- Não precisa ficar bravinha, cunhadinha. – Madge, que estava sentada ao meu lado, apertou minhas 

bochechas enquanto falava. 

- Eles estão treinando. – Clove respondeu. 

- Treinando? Na hora do intervalo em uma segunda-feira? – franzi o cenho. 

- É. Está correndo um boato por aí que um time do distrito 7 vai vir aqui para um jogo. – Madge esclareceu. 

- Por algum campeonato? 

- Não. Parece que é um equivalente a um amistoso de futebol, sabe? Só para confraternizar. – A Hawthorne terminou. 

– Mas como eles não querem fazer feio, estão aumentando a carga de treinos. 

- Entendi. 

- Mudando um pouco de assunto, você e Peeta se resolveram, não é? – Clove perguntou, me olhando atentamente sobre a latinha de Coca.

- Sim, nos entendemos. É claro que houve uma pequena e não solicitada intervenção de uma pequena pessoa. 

- Meu irmão sabe disso, cunhadinha? – arqueou a elegante sobrancelha para Madge. 

- Não e nem vai ficar sabendo. 

Gale detestava quando a namorada se metia nos relacionamentos dos irmãos dela. 

- De qualquer jeito, minha ajudinha funcionou, não? 

- Se você diz. – dei de ombros, reprimindo uma risadinha. - Hey! 

- Vou pegar um refrigerante. Vocês querem alguma coisa? - Não, obrigada. 

- Eu quero outra água, por favor. Aqui o dinheiro. 

Quando minha melhor amiga virou o braço para me entregar o dinheiro, esbarrou a mão em sua garrafa 

d'água quase vazia. A garrafa virou e derramou o restante do líquido em minha calça. Dei um pulo para trás, tentando escapar, ao mesmo tempo em que a baixinha agarrava a garrafa, endireitando-a outra vez.

- Desculpe, Katniss. – parecia horrorizada - Eu sinto muito. - Não tem problema. Não foi proposital. - respondi, avaliando o dano. Não era uma grande mancha, mas estava visível sobre minha coxa. – Eu vou ao banheiro ver se consigo secar isso. – levantei. - Eu vou com você. – Madge se prontificou. 

- Não precisa. Sério. É rápido. Já volto. 

Esbocei um sorriso antes de me afastar. 

Entrei no bem iluminado banheiro de nossa escola e fechei a porta. Puxei alguns pedaços do papel usado 

para enxugar a mão e coloquei sobre a mancha em minha calça, tentando fazê-los absorver a água ali. 

- Viva a fantasia enquanto pode, Everdeen. – uma voz gelada veio de algum lugar atrás de mim. 

Levantei a cabeça e encontrei os olhos raivosos de Glimmer me encarando através do espelho. 

- Do que você está falando, Rabim? – perguntei nem mesmo me dando ao trabalho de virar para encará-la.

- Ora, Everdeen, você realmente pensou que Peeta não me contaria tudo? – agora seu tom era zombeteiro, o que tornava suas palavras ainda piores. 

Ele não faria isso... Peeta não... 

- Por que essa careta chocada? – soltou uma risada – Você é tão inocente, Everdeen. 

A loira se aproximou e eu sabia que devia virar para confrontá-la cara a cara, porém estava paralisada pelo frio que a humilhação me causava. 

- Essa brincadeira é quase a realização do sonho de sua vida, não é? É por isso que digo: Aproveite a fantasia enquanto pode. Porque ela logo acabará. 

Então ela partiu, tão rápido e silenciosamente que por um momento achei que tinha chegado ao último estágio da loucura – aquele em que temos alucinações muito reais. Quase desejei a insanidade porque a outra opção seria acreditar que fui traída da maneira mais cruel pela pessoa que mais amo. Contudo, a porta entreaberta fez com que eu usasse a sanidade – que felizmente percebia que não havia perdido – e entendesse que aquele incidente realmente acontecera.

E esse entendimento foi a gota d'água, o ponto que atravessou todos os limites. Eu tinha agüentado demais, mesmo para alguém pagando os pecados de perseguição. 

Agüentei os falsos beijos – que sistematicamente destruíam meu orgulho; agüentei as falsas cenas de ciúmes; o peso de enganar todos que amo e até mesmo agüentei os insultos e o ódio daquelas apaixonadas por Peeta. Porém era uma humilhação em particular, pois ninguém sabia a real natureza de nosso relacionamento. E agora Mellark havia contado isso a alguém, humilhando-me publicamente. 

Não me importava nem um pouco que esse alguém fosse a quase-namorada-verdadeira dele. Ele não tinha o direito de... 

Fechei os olhos com pesar. 

Eu podia imaginar o que Glimmer deduziu ao saber de nosso acordo: A Everdeen está tão desesperada para ficar perto dele que aceita qualquer migalha de atenção. 

Descerrei as pálpebras 

Era diferente quando apenas especulavam sobre nosso relacionamento. Agora tinham certeza. 

Minhas bochechas esquentaram enquanto meu sangue fervia de ódio e lágrimas de raiva se acumulavam.

Escancarei a porta do banheiro, fazendo-a bater com força na parede. Passei as mãos sobre meus olhos, secando-os e marchei pelo corredor relativamente vazio. 

Saí do prédio principal e segui até o campo. 

Encontrei boa parte do time de futebol saindo do campo. 

- MELLARK! – urrei. 

Todos eles pararam de conversar e me deram total atenção. 

- Já está no vestiário. – Marvel apontou, parecendo assustado – Guardando as bolas de futebol. 

Os jogadores abriram espaço para eu passar. Estava na metade do caminho para "o vestiário" – quando encontrei Gale caminhando na direção oposta a minha. 

- Oi, Katniss. 

- Se manda, Gale. – rosnei ao passar por ele. 

- Peeta, você tem problemas com a patroa. – cantarolou, gargalhando enquanto saia do prédio. 

- O quê, Gale? – Mellark gritou de algum lugar.

Quando finalmente cheguei ao meu destino, encontrei Peeta de costas para mim, arrumando algo dentro de sua mochila. Bati a porta, fechando-nos lá dentro. 

Ele pulou de susto ao som forte da madeira se chocando contra o portal. Virou-se para ver de onde veio o 

barulho e deparou-se comigo. 

- Katniss? O que você está fazendo aqui? – franziu o cenho, surpreso. 

Eu tremia de raiva. E, como uma cobra peçonhenta pronta para destilar veneno, senti as palavras deslizarem asperamente para fora de minha boca: 

- Você contou a Rabim, seu desgraçado filho da mãe?