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-Everdeen, você não vai fazer nada? - sibilou do meu lado, olhando fixamente para frente.
Desviei os olhos do meu copo de suco a fim de seguir seu olhar. - Eles só estão conversando, Madge. - falei de maneira monótona.
-Só conversando? Você ficou maluca? Todo mundo sabe que a Glimmer morre pelo meu irmão! - Explodiu, atraindo alguns olhares curiosos das outras mesas. - Você tem que ir lá cuidar do que é seu!
Revirei os olhos.
- Confio em Peeta.
- Também confio nele. Meu problema é a perua loira.- grunhiu.
Mordi um pedaço do sanduíche em minhas mãos, tentando me distrair, porém a comida parecia plástico descendo pela minha garganta apertada para chegar até meu estômago pesado. Eu estava odiando vê-lo conversar animadamente com a líder de torcida.
Ele não conversava assim comigo...
O monstro do ciúme rugiu ainda mais alto em meu peito quando viu a mão dela pousar no ombro forte que supostamente e publicamente era meu. Eu queria ir lá e arrancar cada fio de cabelo loiro que aquela garota tinha na cabeça. Todavia, eu não tinha direito nenhum de fazer isso. Nós não tínhamos um relacionamento amoroso de verdade. Não ter direito não significava que não machucava vê-lo feliz ao lado dela.
Madge continuava resmungando ao meu lado, mas eu não ouvia o que era dito, pois agora Glimmer tinha colocado as duas mãos sobre os ombros dele.
Talvez mergulhar a cabeça dela em óleo fervente seria uma boa opção depois de deixá-la careca e...
- Katniss Everdeen vá tirar aquela vadia de cima do seu namorado agora! - a loira sussurrou friamente e de modo tão assustador que todos nós viramos para encará-la.
Clove e Cato pareciam atônitos demais para se pronunciarem.
- Amor, nós já combinamos. Nada de se intrometer nos relacionamentos dos seus irmãos. - Gale tentou acalmá-la.
Mentalmente agradeci Gale, Já fazia mais de uma semana que nós tivemos aquela complicada conversa na porta da minha casa, então, aos poucos, o clima entre nós estava ficando cada vez menos constrangedor e
estranho. Eu estava voltando a sentir aquela paz que sempre sentia quando estava perto dele.
- Eu sei, amor. Só que isso - Apontou para onde o jogador e a líder de torcida estavam - já é demais.
- Madge, por favor...
- Deixa, Gale. De qualquer jeito, eu tenho que falar com meu namorado mesmo. - falei, levantando - Com licença.
Eu não tinha um assunto específico para tratar com Peeta, mas qualquer coisa seria melhor do que ficar ouvindo os surtos psicóticos da Madge. Impressionante como ela detestava a capitã das líderes de torcida. Tudo bem que a Rabim jogou charme sobre o Hawthone antes de mirar no Mellark, mas o moreno nunca deu atenção para ela, já o loiro... bem...
Eu sim tinha todos os motivos para odiá-la. Ela olha para o meu "namorado" como se fosse a última bolacha do pacote... E para a sociedade, ele era a minha última bolacha do pacote.
Vadia
Enquanto caminhava, os barulhos ao redor foram parando. Todos estavam prestando atenção no que eu faria a seguir.
Ótimo.
Outra platéia para agradar.
Passei o braço pela cintura dele quando os alcancei.
-Oi, amor.
Glimmer me lançou um olhar mortal, seu sorriso sumiu, então lentamente retirou as mãos dos ombros de Peeta.
- Rabim.- falei em um tom debochado.
- Everdeen.
Peeta parecia perdido, sem palavras.
- Eu não quero interromper - ironizei - mas preciso conversar com o meu - frisei - namorado. Você nos dá licença?
Observei seu rosto ficar vermelho de raiva, porém, no momento, ela não podia dizer "vá para o inferno". Não ali. Não na frente de tanta gente. Glimmer tinha uma falsa reputação de educada pela qual zelar.
-É claro, querida. - seus lábios se repuxaram em uma careta que provavelmente tivera a intenção de ser um sorriso.
- Tchauzinho. - falei, puxando Peeta pela mão em direção a saída do refeitório.
Quando julguei já estar longe de qualquer ouvido curioso, parei de andar e me posicionei em sua frente.
- Desculpe por aquilo lá dentro. – movimentei a cabeça, indicando o prédio – Madge não me deixou em paz enquanto eu não fizesse uma cena de ciúmes.
Ele pareceu murchar um pouco. Franzi o cenho. Talvez estivesse decepcionado por eu tê-lo tirado de perto daquela coisinha loira.
Senti um gosto amargo na boca.
- Tudo bem. Não tem problema.
Agora era a hora em que cada um tomava seu caminho. Contudo, havia algo engasgado.
- Por que você não pediu a Rabim para ajudá-lo com essa história de namoro? Seria bem melhor, não? Você é o capitão do time de basquete e ela capitã das líderes de torcida. O perfeito american dream. - Ele piscou, surpreso.
- Não sei... Foi você quem apareceu lá em casa naquele dia e... - Então você a escolheria se tivesse tido a oportunidade? – bufei. - O quê? Eu não disse nada disso!
- Certo. Você não disse, mas quis dizer. – cruzei os braços.
- Você está sendo insensata.
- Insensata? Por que eu estou sendo insensata? Por tentar encontrar a verdade?
- Verdade? Qual a verdade? Você está distorcendo o que eu digo!
Agora nós estávamos tendo uma briga como um casal de verdade. Estranho. Muito estranho.
- Quer saber? Esqueça! – gritei, dando-lhe as costas.
Não consegui andar nem meio metro quando uma mão forte segurou meu braço e me fez dar a volta.
- Katniss, espere. – passou a mão livre pelos cabelos desgrenhados. - Solte-me, por favor. – sacudi o braço.
Ele tirou a mão de mim, mas parecia pronto para me segurar novamente a qualquer sinal de fuga.
- O que você quer? – cruzei os braços, minha paciência no limite.
- Você entendeu tudo errado. Eu não quis dizer que a escolhi por falta de opção. Você não foi uma das opções, foi a única. Eu posso não ter pensado direito antes de dizer tudo aquilo aquela noite e acabar nos colocando nessa bagunça, mas se não fosse você naquela sala, eu nunca
teria inventado esse namoro. – falou, sério – Nós podemos ter nossos desentendimentos, mas você é uma das pessoas em que eu mais confio.
Derreti. Como ele podia ser tão fofo em um momento desses?
- Sempre tão honesta e verdadeira. – seus olhos buscaram os meus – Agora que estamos passando mais tempo juntos, percebo que você sempre foi uma excelente amiga para todos que precisaram; e que você é uma ótima pessoa, Katniss. Estou feliz por termos essa oportunidade de rever os velhos conceitos que tínhamos um do outro. Estou gostando de tê-la como amiga.
Amiga.
Essa palavra doía.
Ao menos subi de nível. De perseguidora à amiga – ironizei em pensamento.
Suspirei.
Meu comportamento foi bastante infantil. Eu já concordara com o namoro falso de que adiantava questionar os pormenores agora? De que adiantava questionar os motivos dele? Eu estava presa a Peeta até Catharine Mellark voltar ao distrito dela. Nada mudaria isso.
Sacudi a cabeça.
- Desculpe. Eu ando meio emotiva esses dias.
- Tudo bem. – sorriu fraco – Acabo de me lembrar! – exclamou - Katniss, sexta-feira haverá um coquetel na capital onde meu pai será homenageado. Você poderia me acompanhar? – falava rápido como se estivesse ansioso.
- Sexta-feira? Depois de amanhã?
- Sim.
- Claro.
Vi ele suspirar aliviado.
- Obrigado. – sorriu. – Eu preciso ir à biblioteca antes que a próxima aula comece. Quer ir junto?
- Não, obrigada. Eu preciso pegar umas coisas em meu armário. - Até depois então. – abaixou a cabeça para me dar um beijo. Por um milésimo de segundo achei que fosse ganhar um selinho. Claro que não foi isso que aconteceu.
Seus lábios tocaram minha testa.
- Tchau, Katniss. – falou, já se afastando.
Esfreguei as mãos pelo rosto.
Se eu não tomasse cuidado acabaria acreditando na minha própria mentira.
Outra vez.
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O salão estava lindamente decorado em tons azuis com detalhes na cor prata. Porém eu era, provavelmente, a única pessoa que prestava atenção na decoração. Era como se todos os olhares estivessem sobre nossa mesa. E isso não se devia ao fato de o convidado de honra estar nela e sim por ele e sua família serem como são: absolutamente maravilhosos. Os homens Mellark e Hawthorne vestiam smoking preto – atraindo olhares de cobiça das mulheres presentes. Sra Mellark usava um vestido verde esmeralda – quase da mesma cor de seus olhos. Madge parecia uma fadinha dos desenhos da Barbie em seu vestido rosa; já Clove, com um vestido vermelho fogo, estava mais bonita que as modelos da Vogue. Catharine Mellark sustentava um ar rígido ao seu redor, combinando perfeitamente com o vestido roxo que usava. Nenhum homem do recinto desgrudava a atenção da nossa mesa.
Eu me sentia um peixe fora d'água. Eles eram tão lindos que era como se eu estragasse a foto com as minhas feições comuns e minha pele pálida contrastando com o longo vestido azul que tinha escolhido.
Tentei não me sentir intimidada com toda atenção que acabava passando por mim e com os olhares de ódio que queimavam minha pele quando eu chegava perto do meu "namorado". Talvez se eu tentasse prestar atenção na conversa que se desenvolvia em nossa mesa, eu ficaria totalmente alienada a atenção recebida, pois era assim que os Mellark e Gale estavam: totalmente avulsos ao resto do salão.
Concentrei-me a ponto de pegar Sr Mellark contando uma anedota sobre uma paciente que desconfiou tanto dos médicos durante o parto que chegou ao ponto de ameaçar ir embora e ter o filho na própria casa. A risada que nascia em minha garganta morreu antes mesmo de chegar até minha boca porque Peeta escolheu aquele momento para passar o braço atrás do encosto da minha cadeira e deixar sua mão acariciar de leve meu ombro nu.
Perdi a linha de raciocínio. Minha mente se focou nos dedos que suavemente tocavam meu ombro. Seu toque era tão leve que ele parecia fazer isso inconscientemente. Fiquei sentada ali, apreciando o momento e me embriagando com o cheiro divino que ele emanava. Vez ou outra escutava meu nome, então eu balançava a cabeça e sorria, sem ter a
menor idéia do que fora dito anteriormente ou o porquê de meu nome ter sido mencionado.
Pouco depois, uma música suave começou a tocar. Sr Mellark se levantou e, com uma mesura, convidou a mãe para dançar com ele. Todos nós sorrimos ao presenciar um gesto tão fofo.
- Convide sua mãe, para dançar. – sussurrei para o meu acompanhante.
Ele me encarou, surpreso, depois um lindo sorriso apareceu. - Ótima ideia, amor. – respondeu sem sussurrar.
Peeta conduziu a sra. Mellark para a pista de dança no momento em que outra melodia lenta começou a soar. Meu sorriso se ampliou enquanto observava os dois se moverem como anjos.
- Com licença. – falei aos meus amigos – Quero ver uma coisa.
Caminhei a passos lentos pelo salão, sorrindo educadamente para algumas pessoas desconhecidas enquanto procurava pelo toalete a fim de retocar meu batom. Em meio a minha busca, encontrei uma mesa com algumas placas de prata por cima. Distrai-me lendo os nomes gravados nessas placas. Estava analisando uma que homenageava um Doutor Gray por sua ajuda a pesquisas sobre o câncer quando uma voz masculina interrompeu minha leitura:
- Tony Gray é meu pai.
Vir-me-ei encontrando um adolescente um pouco mais novo e mais baixo do que eu. Seus cabelos eram negros assim como seus olhos. Não respondi ao seu comentário porque julguei que resmungar "legal" seria indelicado, limitei-me então a sorrir.
- Sou Patrick Gray. – estendeu a mão.
- Katniss Everdeen. – apertei sua mão.
Apesar da conversa inútil, ele parecia ser bem simpático.
- Com licença, Patrick, eu acho que está na hora de voltar para minha mesa. – me desculpei.
- Ah! É uma pena. Você me concederia uma dança antes de partir? – falou, triste.
Suas palavras me fizeram sentir na era medieval. Ele era tão fofo quanto um irmão mais novo, mas algo me dizia que ele estava flertando comigo. Isso nunca daria certo porque: a) eu estava ali com meu "namorado"; b) Patrick era ao menos dois anos mais novo do que eu e bem mais baixo, então as coisas seriam muito esquisitas; c) eu não estava nem um pouco interessada nele dessa maneira.
Engoli em seco sem saber ao certo como recusar seu convite sem magoá-lo.
- Patrick, eu... – parei quando um braço circulou em minha cintura. - Amor, eu estive lhe procurando. Por onde você andou?
Fitei incrédula a face de Peter a poucos centímetros da minha. O que estava acontecendo?
- Eu... eu...
Ele me lançou um olhar significativo, tentando me fazer compreender algo. Então em um estalo me lembrei de Gray e percebi que Peter estava tentando me ajudar.
- Eu sinto muito, amor. Já estava voltando à mesa. – falei, incerta. - Olá. – ele encarou o garoto – Sou Peter Mellark. – estendeu a mão.
- Patrick Gray. – respondeu o cumprimento - Meu pai deve estar me procurando. Foi bom conhecer vocês.
- Tchau, Katniss – acenou, desapontado.
- Tchau, Patrick. – falei, sentindo pena do pobre rapaz.
Quando o moreno já estava longe, vir-me-ei para meu salvador, sorrindo aliviada:
- Obrigada, Peter.
- Por nada. É um prazer resgatar a donzela indefesa.
- Donzela indefesa? – perguntei, chocada – Eu não estava indefesa! Eu só não queria magoar Patrick! Ele me convidou para dançar.
- Eu ouvi. Foi por isso que apareci para resgatá-la. – piscou o olho – Senão você traumatizaria a infância dele!
Gargalhei.
- Coitado. Ele nem é tão novo assim.
- Claro que não. – zombou – Eu até achei que você fosse comprar um chocolate para ele não chorar depois que você desse um fora nele.
- Você é muito bobo!
Ri mais ainda e ele me acompanhou.
- O que é tão engraçado? – uma voz fria cortou o clima divertido.
Peeta estava parado a poucos metros de nós, parecendo um Deus grego furioso.
- Peeta...
Comecei a falar, mas parei ao perceber que seus olhos não estavam em meu rosto. Segui seu olhar e percebi que a mão de seu primo ainda
estava em minha cintura. Saí do abraço de Peter e segui até meu "namorado".
- Peeta...
- Vamos conversar, Katniss.
Seu tom estava suave, mas eu sentia o aço por baixo da seda. Ele estava furioso.
Segurando de maneira firme minha mão, porém sem machucar, Peeta me puxou através do cômodo,
passando pela saída para o estacionamento, o qual se encontrava vazio. Paramos perto de seu carro. Sua mão largou a minha quando, com os olhos ferozes e o tom perigosamente baixo, ele disse:
- O que você pensa que está fazendo flertando com meu primo?

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