Continuei imóvel, encarando aquela mão. Talvez eu tivesse entrado em uma realidade alternativa... Ou talvez eu tenha perdido totalmente a lucidez. 

Eu achava que estava agindo de acordo com a situação, todavia, aparentemente, a errada no quadro era eu. Todos pareciam felizes, inclusive Peeta, enquanto eu morria por dentro. Então, era mais provável que apenas eu tivesse ficado louca. 

– Kat? – ouvi Peeta me chamar. 

Pisquei devagar, tentando fazer a vida voltar aos eixos. Quando olhei para seu rosto, as piscinas brilhavam com um desesperado em um pedido silencioso. 

– Kat, por favor, venha comigo. Depois eu lhe explico tudo. – sussurrou rapidamente. 

Eu queria afastar qualquer sofrimento dele e, por isso, atendi sua sofrida solicitação. Assim que minha mão estava sobre a dele, um suspiro de alívio deixou seus lábios. Ainda em um estado de letargia, deixei-me ser conduzida até os sons alegres que só agora eu escutava. A sala estava repleta de Mellark– alguns eu nem mesmo conhecia, mas podia reconhecer que pertenciam à família pela característica cor dos olhos.

Todos olhavam para nós, porém, felizmente, antes que um silêncio constrangedor se abatesse pela sala, Catarina Mellark falou animada: 

– Katniss! Fico feliz por você ter vindo. Peeta disse que você não estava se sentindo bem. Está melhor? – não esperou uma resposta – Que bom! – sorriu – Eu gosto de ter todos os meus netos junto comigo no meu aniversário. 

Por sorte, minha expressão de surpresa passou despercebida. Todos estavam atentos ao discurso alegre da Sra. Mellark. Pelo menos agora eu sabia o porquê de Peeta estar agindo assim – ele não queria preocupar a avó com "uma briga do nosso namoro"... ainda mais num dia como esse. 

– Venha me dar um abraço, querida. – sorriu maternalmente. – Feliz aniversário, senhora Mellark. 

Abracei-a, abri um pálido sorriso. Era o primeiro sincero desde que toda essa bagunça de "revelar que ouvi a conversa dos outros" começou. Porém não poderia ser diferente. Como não se apaixonar pelos Mellark? 

– Já disse para me chamar de Catarina ou vovó – fez uma careta. – Desculpe, Catarina.

O primeiro nome era melhor do que a designação familiar, afinal, eu era uma farsa. A verdadeira namorada do neto dela é que poderia usar um vocativo tão carinhoso e íntimo como esse. 

– Katniss apenas não está acostumada com a senhora ainda, vovó. 

Enrijeci ao ouvir aquela voz adorada tão perto de mim e fiquei totalmente estática ao sentir um braço forte rodeando minha cintura. Os olhos espertos de Catarina analisaram analiticamente a minha reação antes de ela falar com a voz muito séria: 

– Algo errado entre vocês? 

Eu não havia aguentado tudo isso durante semanas para estragar todo o plano no último segundo! Obriguei meu corpo a relaxar e sorri novamente, contudo, esse não tinha nem um milésimo da sinceridade do anterior. 

– Não, senhora. É minha dor de cabeça não passou totalmente. 

– Pobrezinha. – o brilho maternal voltou – Não seria melhor levá-la de volta, Peeta, para que ela possa descansar mais um pouco? 

Senti-me um lixo por mentir para uma mulher tão bondosa. 

– Não será necessário, Catarina. É apenas um pequeno incômodo. Nada alarmante.

Menti de novo, pois a dor que me machucava não tinha nada de pequena, mas também não tinha nada a ver com a conversa que estávamos tendo. Ela franziu o cenho, ainda não totalmente convencida. Antes que mais perguntas fossem feitas e mais mentiras fossem fabricadas, Peeta puxou-me para outro canto da sala, murmurando que queria apresentar-me ao resto da família. 

Suspirei aliviada. Eu não precisava de outra situação-problema em minha vida, já tinha suficiente para me preocupar pelo resto dela. 

- Katniss, amor, essa é minha prima Delly e seu namorado Sedan. 

Peeta falou, indicando uma bonita garota Ruiva dos olhos Azuis – parece que o Azul-Mellark é exclusividade dos nascidos dessa família – e um garoto de cabelos pretos e olhos verdes. Eles estavam de mãos dadas e sorriam para mim. 

– É um prazer conhecê-los. – Não forcei um sorriso porque sairia falso demais, limitei-me a deixar o meu tom de voz o mais simpático possível. 

– Na verdade, o prazer é todo meu. Confesso que estava curiosa para conhecer a famosa garota que fez o meu primo arrasador de corações se amarrar.

É. Eu também ficaria dolorosamente curiosa para conhecer a garota que prenderia Peeta Ryan Mellark... pena que não seria eu. 

– Muito engraçado, Delly. Você sempre foi uma piadista nata. – arrastou as palavras com sarcasmo para a prima – Vem, amor, ainda falta conhecer algumas pessoas. 

– Com licença. – murmurei enquanto era guiada até um casal que parecia ter a idade dos pais de Peeta. 

– Katniss, estes são meus tios Rose e Jack Mellark. 

Os dois sorriram bondosamente para mim. Ela tinha o cabelo ruivo e ele loiro e os sorrisos imaculadamente brancos. Assim como o resto da família, eram deslumbrantes. Ela tinha os olhos castanhos e ele possuía o inconfundível Azul-Mellark. Franzi o cenho. Jack Mellark lembrava-me alguém. 

– É um prazer, senhor e senhora Mellark. – soltei um sorriso pálido. 

Eles me deixavam confortável, parecia inconcebível não sorrir perto dos dois. Era algo que me acometia regularmente quando eu estava perto dos pais da minha melhor amiga. Talvez fosse coisa de família... assim como a beleza extraordinária. 

– Você é tão bonita quanto nos contaram. – ela falou.

– Obrigada, senhora Mellark. Contudo, acho que Peeta é um tanto quanto exagerado. 

Olhei para meu pseudo-namorado que sustentava uma careta confusa. 

– Oh, querida, não foi ele quem nos falou sobre você. 

– Não? Então quem foi? – franzi o cenho. 

– Foi nosso filho. Peter. – Jack respondeu. 

– Ah! Então é com ele que o senhor parece... – soltei antes que pudesse me refrear – Quero dizer, ele parece com o senhor. – tentei consertar. 

Jack soltou uma gostosa risada. 

– É verdade, querida. Você precisa ver quando Peter era mais novo. Era a cópia exata do pai. – Rose sorriu. 

– Tio, tia, com licença, mas nós ainda não cumprimentamos todo mundo. – Peeta falou, seu tom era tenso e a careta de surpresa havia se transformado em uma carranca de desagrado. 

Isso estava cada vez mais confuso. 

– Claro, querido. Mas depois traga a sua bonita namorada aqui novamente para podermos conversar um pouco.

Peeta soltou um resmungo incompreensível e fomos para perto da janela onde estavam um casal que aparentava ser um pouco mais novo que o anterior e uma garota de bonitos cabelos loiros e olhos azuis. A mulher mais velha tinha os cabelos castanhos enquanto o homem era loiro. Ambos tinham olhos azuis. 

– Amor, esse são tia Catherine e tio Willian Charles Mellark. – sorriu calorosamente para eles – E essa é minha prima Mele filha deles e irmã de Delly. Família, essa é Katniss, minha namorada. – tive a impressão de ouvir uma nota de orgulho em sua voz ao pronunciar a última parte. 

– Olá, querida. Ficamos felizes por conhecer você. – Catherine falou suavemente. 

Ela tinha o porte e a aura de uma rainha. 

– É um prazer conhecê-los, senhor e senhora Mellark. – sorri. 

– Pode nos chamar de Willian e Kate, querida. – dessa vez foi ele quem falou. Sorri para não ter que responder nada. Não parecia certo chamá-los pelo primeiro nome. Eles – mais do que qualquer membro da família Mellark - pareciam membros da realeza, mereciam um tratamento mais formal... pelo menos da minha parte, já que eu não era família. 

– Oi. Fico feliz por conhecê-la – Melanie sorriu simpaticamente.

– Você e sua irmã têm as cores de cabelo mais lindas que eu já vi – não contive a observação. 

E no segundo seguinte fiquei roxa de vergonha pela falta de discrição. Ela soltou uma risada gostosa, mas discreta. E, pelo canto do olho, vi que seus pais seguravam-se para não fazer o mesmo. Claro, eles eram elegantes demais para gargalhar na minha cara. 

– Gostei dela, primo. – comentou, depois voltou sua atenção para mim ao dizer – Muito obrigada. O meu é uma mistura das cores dos meus pais, já o de Delly é puramente de origem paterna, ela herdou de nossa avó Elizabeth. Tio Henry, irmão do meu pai, é ruivo também. 

Sorri agradecida por ela ter dado um final decente a um comentário tão ridículo. 

– Mas, conte-me... meu primo tem cuidado direito de você? 

Eu diria que foi um golpe de sorte outra pessoa ter requisitado minha atenção justo nesse momento, poupando-me de ter que responder tal pergunta. Porém a sorte passou longe de mim no momento que reconheci de quem era a voz que me chamava. 

– Kat, amiga, agora que você já conheceu o resto da família, acho que vou ter que lhe roubar de Peeta por um tempo. Preciso falar com você.

É urgente. – Clove Hawthorne tinha um olhar decidido, apesar do tom cuidadosamente leve. 

Olhei para Peeta, implorando ajuda, mas ele parecia estar tão surpreso e impotente quanto eu. Suspirei, aceitando o inevitável. Eu sabia sobre o que ela queria conversar e sabia que Madge estaria esperando por nós onde quer que ela fosse me levar. Elas iriam me interrogar sobre ontem à noite. Como não haveria escapatória, melhor encarar logo as feras... digo, minhas melhores amigas. 

– Claro. – forcei um sorriso que não enganaria nem um cego – Com licença. – virei para a irmã do Sr Mellark e quase fiz uma reverência. 

Soltei um meio sorriso devido a tal impulso. Pelo menos ainda existia algo engraçado em tudo isso. Segui minha amiga para fora da sala e pela escada até chegar ao quarto da Mellark mais nova. Quando eu passei pela ouvi uma vozinha sinistra na minha cabeça dizendo "bem vinda à Inquisição". 

Clove posicionou-se ao lado do pé na cama, os braços cruzados. Madge estava sentada bem ao lado dela. Ambas tinham a expressão fechada. 

– Katniss, você vai nos contar o que está acontecendo?

Foi a baixinha quem começou o interrogatório, sua voz estava branda, mas eu podia sentir o aço por baixo da seda. Uma resposta era exigida, sem rodeios, sem subterfúgios. Ainda sim, eu tentei ganhar tempo para inventar algo remotamente acreditável. 

– Contar o quê exatamente? 

– Por favor, não haja como se fossemos idiotas. – Clove pediu – Você sabe que não somos. Na verdade, nós somos suas amigas e gostaríamos que você agisse como tal e nos dissesse o que está incomodando você. O que está machucando você. 

– Nós percebemos isso faz algumas semanas. Sua atitude mudou radicalmente depois do último dia que você dormiria aqui. Dormiria, lembra? Mas você sumiu no meio da noite. Você nunca nos explicou o porquê daquela atitude. – Mad continuou. 

– E também nunca contou porque de repente você começou a agir como se nós tivéssemos estragado sua infância contando que Papai Noel não existe. Não queria mais sentar conosco no almoço, não queria ir aos treinos e tínhamos que arrastá-la para sair nos fins de semana. 

– E, mais de repente ainda, você e o meu irmão surgem aqui em casa dizendo que tinham vivido um lindo romance escondido, mas que finalmente resolveram assumir isso. Nós quatro achamos isso ótimo.

Todos sabíamos que vocês sempre foram loucos um pelo outro. – Madge saltou da cama e ficou em pé, contudo não se aproximou. 

Essa última sentença dela foi como um chute no estômago, pois eu queria muito que fosse verdade. Porém sabia quão impossível era. Forcei meu cérebro a voltar a atenção ao diálogo. Agora era a morena quem falava. 

– Talvez porque nós estávamos muito felizes pelo anúncio de vocês que relevamos algumas coisas. Como o fato de que vocês dois nunca foram muito bons em esconder as coisas da gente e... de repente, conseguiram esconder um relacionamento inteiro. Ou o fato de que o seu namoro não parecia muito normal. Eu sei que existem diversas maneiras de amar e blábláblá – gesticulou com a mão – Por exemplo, há a maneira mais leve do tipo Gale e Madge e também tem a maneira mais carnal do tipo Cato e eu. Mas o de vocês é diferente demais. Não sei explicar. É como se cada um estivesse escondendo, com muito esforço, alguma coisa importante de todo o resto do mundo. Não é um segredo de casal. Parecia que vocês escondiam isso até mesmo um do outro. 

– Não nos leve a mal. Não estamos querendo ser intrometidas, também não queremos dar palpites no namoro de vocês. – ela chegou mais perto e colocou minhas mãos entre as dela em um gesto de conforto - Mas alguma coisa está claramente errada. Preocupamo-nos com você.

Kat, somos suas irmãs, pode confiar em nós para contar qualquer coisa. O que você disser não sairá desse quarto. Diga o que está incomodando-lhe. Essa situação lembrava absurdamente a conversa que tive com Gale no alpendre de minha casa há algumas semanas. O que tornava tudo ainda pior... 

O bolo de emoção formado em minha garganta era tão espesso que tive a impressão de que sufocaria ao primeiro movimento. Não conseguia respirar direito. Mais uma vez tive a aterradora sensação de que estava sufocando lentamente. Minhas pálpebras piscavam em uma velocidade impressionante, tentando a todo custo não me deixar explodir em um choro ininterrupto. 

Não foram as palavras delas que me deixaram em tal estado. Não. Foi a preocupação delas. Quantas pessoas no mundo passam a vida sozinhas? Sem um único amigo de verdade... daqueles que sempre estarão lá para quando você precisar? Pessoas demais... Tantas pessoas nunca encontram alguém em quem confiar cegamente. E eu tinha quatro amigos em quem eu confiaria minha vida. E agora dois deles estavam me confrontando para meu próprio bem porque eu os machucava também ao me machucar. Eles sentiam junto comigo porque nossa amizade era uma irmandade. Se um cair, todos caem. Se um ficar para trás, ninguém vai para frente.

Pena que só agora eu percebia as consequências da mentira que Peeta e eu criamos. A ideia até que era boa. O problema era que não éramos os únicos afetados. Estávamos arrastando outros conosco, prendendo a nós mesmos e outros em nossas próprias invenções. 

Infelizmente, nada podia ser feito para desfazer todo o mal entendido sem que a recriminação fosse maior do que nós dois podíamos aguentar. 

Eu não podia mentir. Eu não podia contar a verdade. 

Resolvi que o melhor era contar o que podia ser dito sem comprometer tudo. 

– Eu... nós estamos tendo uns problemas... 

– Isso é meio óbvio. – a fadinha me cortou. 

– Era um problema menor e acabou virando uma bola de neve que... 

– Também é óbvio que vocês estão lidando com mais do que podem aguentar. – interrompeu outra vez. 

– Vai me deixar falar? – gritei – Por que perguntou se não queria ouvir a porcaria da resposta? 

Arrependi-me no segundo em que fechei a boca. Madge agora me lançava um olhar magoado. Respirei fundo. 

Meus nervos estavam em frangalhos. Era fácil perder o controle.

– Desculpe. Não queria gritar com você. Sei que só estão tentando me ajudar. – massageei a testa – E, afinal, você tem razão. Estamos carregando mais do que nossas costas podem aguentar. Não havia outra opção, mas agora estamos arrumando tudo, tentando consertar. 

– OH MEU DEUS! – Clove gritou, apavorada – Você está grávida? A loira olhou horrorizada para ela. 

– Haymitch vai matar o meu irmão. Literalmente. – falou, quase chorando. 

– O QUÊ? Eu não estou grávida. Pelo amor de Deus! – exclamei alto, ainda mais chocada com aquela suposição de que as duas junto fizeram – Pensei que vocês nos conheciam melhor do que isso. Por acaso temos cara de idiotas? 

– Não, não têm. Mas vocês estão agindo como tal ao esconderem de nós o que quer que esteja acontecendo. – Madge resmungou, todavia o alívio estava estampado em seu belo rosto. 

– Não estamos escondendo de propósito. A questão é que vocês não podem fazer nada para nos ajudar. Temos que resolver isso sozinhos. E já estamos quase conseguindo. – acrescentei rapidamente quando a loira abriu a boca – E, no final, é uma coisa pessoal, somos os principais interessados em fazer tudo ficar bem novamente.

As duas soltaram muxoxos de reprovação e ainda dirigiam plena atenção à minha pessoa. Torci as mãos nervosamente e mexi os pés de maneira inquieta. 

– Mas eu posso aceitar o apoio de vocês. Melhor, eu quero muito o apoio de vocês. – murmurei baixinho, a voz embargada. 

O olhar severo de ambas suavizou imediatamente e no segundo seguinte estávamos, as três, abraçadas. E mais uma vez estava muito, muito perto mesmo, de cair aos prantos. Só que dessa vez, parecia não ser a única. Isso só não ocorreu porque batidas insistentes chacoalharam a porta. 

Separamo-nos, um pouco assustadas. Enquanto tínhamos aquele papo de irmãs, esquecemos que o mundo real continuava lá fora. Passei o dedo pelos olhos, tentando apagar qualquer vestígio de água que estivesse ali. Clove abriu a porta e três garotos passaram por ela como um furacão. 

– Vocês sumiram faz quase uma hora! 

– Mamãe estava quase arrancando os cabelos de preocupação! – Por que não avisaram ninguém? 

– Por que estão aqui se tem uma festa lá embaixo?

Fiquei meio tonta com a quantidade de perguntas e a velocidade com que elas eram feitas. 

– Calem a boca! – Hawthone gritou e foi imediatamente obedecida – Vocês estão histéricos. Que coisa horrorosa. – balançou a cabeça, desgostosa - Estamos colocando o papo em dia só isso. Mas já resolvemos tudo que era possível, por isso vamos acompanhar vocês lá para baixo. Quem sabe assim vocês se controlem melhor. – dizendo isso foi para o lado do namorado e passou o braço pelo dele. – Vamos, amor? – sorriu genuína e amorosamente para Cato. 

Impressionante como Clove Lílian Hawthorne poderia ser letal e, no momento seguinte, ser um poço de amor só porque estava perto de Cato. Eles se completavam tanto que senti uma pontada no peito – que nada tinha a ver com inveja. Eu ficava feliz por minha amiga, contudo, também sentia uma tristeza infinita por saber que nunca teria nada igual a isso, pois o amor da minha vida não me ama de volta. 

– Nós também já vamos. – Gale sussurrou, puxando Madge para fora do cômodo. 

– Desculpe, Katniss, não havia nada que eu pudesse fazer para impedir esse interrogatório que você acaba de sofrer. – Peeta sussurrou, revezando sua atenção culpada em mim e seus olhos de águia na porta, certificando-se de que ninguém nos escutava. O clima não era dos

melhores entre nós no momento, porém não era desagradável. Talvez "constrangedor" seja uma boa palavra para descrevê-lo. Eu estava mais leve depois de ter conversado com as garotas. Agora o horizonte não parecia mais tão tenebroso. Nós poderíamos navegar até o lugar que era necessário, pois parecia que a tempestade finalmente havia passado. 

Minhas metáforas estavam ficando sofisticadas, não? Quase soltei uma gargalhada devido meus pensamentos. 

– Tudo bem. Acho que consegui fazê-las desistir do assunto. – O que fez? 

– Usei algumas evasivas. 

Ele arqueou a sobrancelha. 

– Foram evasivas muito boas. Acho que foi mais difícil para você, não? Eles judiaram muito de você ontem depois que eu fui embora? – sussurrei. 

– Só faltou partirem para tortura. – soltou uma risadinha – Mas eu delicadamente mandei umas indiretas para que eles cuidassem da própria vida, pois nós estávamos tentando cuidar da nossa. Houve alguma coisa estranha quando ele disse "nossa" e não "das nossas" como se fossemos realmente um casal que compartilhava tudo. Os Azul-Mellark também

brilhavam de um jeito esquisito que, por mais que me esforçasse, não conseguia identificar. 

– Vamos descer casal ternura! – Cato berrou do corredor, tirando-me dos meus devaneios. 

– Ele tem razão. Vamos lá. Mamãe está nos esperando para servir o almoço. 

xxx 

Depois de um almoço cheio de risos – eu até consegui participar de algum deles – e conversas, todos voltaram para a sala. Depois de algum tempo sentada no sofá com o braço de Peeta em volta de mim enquanto eu fingia prestar atenção no que as primas inglesas dele falavam, Sra Mellark se aproximou de nós. 

– Olá, meus queridos. Tudo certo aqui? 

– Sim, tia. – as duas responderam junto. 

Sedan e eu apenas sorrimos. Foi o filho dela quem agiu de maneira diferente: 

- Mãe, Katniss e eu gostaríamos de nos retirar, ela precisa ir embora. Tudo bem para você?

– Creio que não será possível, filho. Nós estamos cheios de convidados e eu gostaria que você e seus irmãos ficassem em casa hoje. – Sra Mellark falou suavemente, todavia, a ordem estava clara. 

– Mas, mãe... 

– Tenho certeza que Kat entenderá. – lançou-me um olhar astuto. 

– Claro. – respondi prontamente - Não tem problema, amor. Vou me despedir de sua avó. – levantei aos tropeços, não gostando nadinha de ser o centro das atenções naquela parte do cômodo. 

Eu não precisava ir embora antes, mas agora era necessário devido ao comentário do meu pseudo-namorado. Foi uma tentativa para podermos sair e ter a conversa tão necessária, mas o tiro no escuro não acertou o alvo e agora eu teria que ir para casa para que ele não passasse por mentiroso. 

– Vou com você. – levantou-se também, lançando um olhar frustrado para a mãe que fingiu que nem era com ela. 

– Catarina? 

A doce senhora parou de conversar com seu filho Jack ao me ouvir chamá-la. 

– Sim, querida?

– Eu preciso ir embora agora. Vim despedir-me da senhora. – estendi a mão que não estava entrelaçada a do neto dela. 

E levei um susto quando ela, em uma velocidade impressionante para que acabava de completar setenta anos, ergueu-se do sofá e puxou-me para um abraço de urso sufocante. Agora eu descobri de quem Cato herdou essa mania de esmagar as pessoas em abraços. 

– Oh, Katniss! Eu fiquei tão feliz por conhecê-la. Você e meu neto vão me dar bisnetinhos tão lindos quando chegar a hora certa. – suspirou de contentamento revezando o olhar entre Peeta e eu. 

Meu rosto não poderia ficar mais vermelho, meu "namorado" não parecia muito diferente. 

– Tem certeza de que não pode ficar mais um pouco? Ainda é muito cedo! 

– Sinto muito, Catarina. Não será possível. 

– Vem me visitar amanhã? Digo, sei que você e meu neto vão se encontrar amanhã, mas gostaria que desse uma passadinha aqui para visitar essa velha senhora. – colocou a mão na testa dramaticamente 

– Vovó, a senhora nunca ficará velha. – Peeta comentou.

– Ah! Está vendo. Por isso que você é meu neto favorito! – exclamou, um sorriso radiante nos lábios. 

– Sei. – ele revirou os olhos – Ontem seu neto favorito era Cato porque ele carregou sua nova mala escada acima. E na quarta era Clove, pois ela lhe deu aqueles novos sapatos Jimmy Choo que a senhora queria. E na terça... 

– Querido, você não estava indo levar sua namorada embora? – interrompeu com a clara intenção de fazê-lo parar com a lista que parecia ser bem grande. 

– Ah, sim. Claro. – um sorriso esperto – Estava mesmo, não? Porém só poderei acompanhá-la até a porta. Então, logo estarei de volta para continuarmos essa nossa conversinha, avó. 

– Não se apresse, querido. Sei como vocês são nessa idade. – soltou uma gargalhada. 

Ele balançou a cabeça, indignado, já me puxando para a saída da casa. Acenei para aqueles que olharam quando passamos, me despedindo de maneira genérica, pois, se fosse fazer uma despedida individual, levaria, no mínimo, uma hora. Recebi alguns sorrisos compreensivos em resposta. Acho que ninguém se sentiu ofendido com minha saída um tanto... diferente.

Chegando à porta, ele virou-se para mim: 

– Nos vemos amanhã? 

– Sim. Amanhã à tarde eu venho. 

E assim nós finalmente teríamos a tão adiada conversa. 

– Certo. Até amanhã. – inclinou-se e deu um beijo demorado em minha testa. 

Nada mais precisava ser dito agora. O clima entre nós não estava ruim... estava estranhamente calmo. 

– Até. – Abri a porta e fui para minha caminhonete. 

Ele ainda estava lá olhando para mim quando acelerei o carro para longe do pátio dos Mellark. 

xxx 

Era aproximadamente quatro horas. Desci as escadas usando calça jeans clara, sapatilhas pretas e uma blusa de alças da mesma cor. 

– Mãe, estou indo à casa dos Mellark. 

– Certo, querida. – ela apareceu na porta da cozinha carregando duas grandes caixas, uma em cima da outra.

– Já que vai sair. Será que poderia deixar isso na delegacia? – começou a andar em minha direção – Seu pai foi pescar e só volta à noite e ontem ele disse que não poderia se esquecer de levar isso até lá. E adivinha se não esqueceu? Acho que seu pai está ficando caduco e... 

Vi acontecer um segundo antes da coisa toda tomar traços concretos. Effie pisou no sapato que - mais uma vez – ela se esqueceu de guardar ontem quando desligou a TV e foi dormir. O sapato deslizou para frente, levando a perna que se apoiou nele. A outra perna dela, não conseguiu acompanhar o movimento e, com um ruído horroroso e um grito estridente, minha mãe caiu de costas no chão. 

Corri para o lado dela. 

– Mãe? Mãe? A senhora está bem? Bateu a cabeça? – empurrei para longe as caixas que caíram em cima dela. 

Um urro de dor foi a única resposta. 

– Mãe? Sua cabeça está doendo? Mãe, por favor, me responda. 

– Katniss, minha perna está doendo muito. – choramingou – Acho que torci alguma coisa. – colocou a mão sobre o membro dolorido. 

- Está tudo bem, mãe. Vou levá-la ao hospital. – tentei manter a voz firme para não alarmá-la - Consegue levantar?

– Não sei. 

– Vem. Apóie-se em mim. 

Com certa dificuldade consegui me levantar, levando-a junto. O mais difícil, porém, foi fazê-la chegar até a caminhonete e depois acomodá-la lá sem que isso piorasse ainda mais a dor em sua perna. Dirigi devagar até o único hospital do distrito para que os solavancos do carro não agravassem o estado dela. Informei a enfermeira da recepção sobre o que havia acontecido. Ela calmamente disse-me que as enfermeiras tirariam minha mãe do carro e depois ela seria levada para fazer os exames necessários. Perguntei pelo Dr. Mellark e fui informada que aquele era seu dia de folga. Acenei com a cabeça e dirigi-me a cadeira de plástico que a mulher indicou para que eu me acomodasse enquanto esperava tudo ficar pronto. Enfiei a mão no bolso a fim de alcançar o meu celular e informar ao Peeta que só poderia vê-lo mais tarde, porém descobri que ele estava acabando a bateria. Com certeza minha mãe não estava com o dela e onde meu pai ia pescar não havia sinal. Fui ao telefone público que estava no outro corredor e digitei o número da minha casa e deixei um recado para meu pai na secretária eletrônica. Percebendo que a bateria não duraria uma chamada, resolvi mandar uma mensagem: "Não sei que horas poderei ir. Surgiu um imprevisto. Depois lhe explico. K." Tinha razão. O celular apagou totalmente depois que o sinal de enviado apareceu na tela.

Agora só me restava esperar. 

xxx 

O relógio do meu painel marcava dez e meia da manhã quando eu consegui estacionar meu carro mais uma vez na porta da mansão Mellark. Esperei muito tempo naquela cadeira desconfortável ontem antes que o médico substituto aparecesse. Quando o fez, disse que aparentemente minha mãe não sofreu nenhum dano cerebral, mas ela deveria ficar internada para esperar o resultado do exame que sairia amanhã. Fiquei muito aliviada, contudo, o Dr. Carter logo acrescentou que ela tinha quebrado a perna. Cerrei as pálpebras com pesar. Sabia bem o quão emotiva Effie ficava por qualquer arranhãozinho... imagina uma perna quebrada? 

Tinha razão. Quando minha entrada foi autorizada no quarto, descobri minha mãe aos prantos, resmungando algo sobre ficar impossibilitada de fazer as coisas durante meses. Revirei os olhos devido ao drama exagerado e depois fiquei fazendo companhia, tentando consolá-la. Só fui embora quando o horário de visitas terminou. E aí já era oito e meia da noite. Muito tarde para ter o tipo de conversa que planejávamos ter. Então fui direto para casa e, pouco depois, meu pai chegou. Apaguei o recado que deixei e contei o ocorrido. Ele ficou preocupado e insistiu em ir vê-la. Tive que usar toda a minha lábia para fazê-lo desistir da ideia.

Resmungando muito, ele concordou em ir apenas amanhã e resolveu ligar para lá. Algum tempo depois, quando fui dormir, eles ainda conversavam. Respirei fundo e segui até a porta. Finalmente havia chegado a hora da verdade. Meus ombros estavam mais leves. Finalmente resolveríamos tudo, colocando em pratos limpos toda a bagunça em que vivemos durante esses meses. Parecia que as coisas conspiravam a nosso favor hoje – para variar um pouco. O céu está limpo de nuvens de chuva e não tínhamos aula devido ao feriado de aniversário da cidade. Toquei a campainha e, pouco depois, minha melhor amiga surgiu, abraçando um pote de sorvete e segurando uma colher na mão. 

– Hey, Katniss! – sorriu, enfiando a colher no pote e depois levando a boca – Está servida? 

– Oi, Madge. Não, obrigada. – sorri - Peeta está? 

– Não. Ele foi acompanhar a mamãe até o aeroporto. Eles foram levar vovó embora. 

– Embora? – franzi o cenho – Pensei que ela fosse ficar até ao próximo final de semana. Ela e seus tios. 

– Eles iam. Mas a tia Kate e tio Will precisaram voar para o Distrito 12 porque a RI estava prestes a fechar um contrato milionário e eles precisavam estar presentes.

– RI? 

– Royal Industries. É a empresa deles. – deu de ombros. – E como a avó estava indo passar uns dias na Capital com eles, pensou que seria mais fácil ir também. Como Delly, Mel e Sedan estavam aqui, mamãe se ofereceu para levá-la já que houve uma emergência no hospital e meu pai precisou ir para lá. Então pediu para que Peeta fosse junto com ela para que não voltasse sozinha. Mamãe não gosta muito de dirigir. Eles devem estar no caminho de volta agora. 

Assenti. 

– Tio Jack, tia Rose e Peter estão no distrito 2. Eles vão almoçar lá. – pegou mais um pouco do doce que segurava. 

– Certo. Então eu volto mais tarde. 

– Não quer entrar e esperar aqui? Podemos ver um filme. – Obrigada, mas eu preciso ir a um lugar. 

Não especifiquei que ia ver minha mãe senão a baixinha me encheria de perguntas. E eu não estava com paciência suficiente para aguentar isso. 

– Certo então. Tchau, Kat. – sorriu. 

Retribui o sorriso e comecei meu caminho de volta ao carro.

– Hey, Kat? 

Virei para encará-la. 

– Quase me esqueci de dizer. Quando estava saindo, Peeta pediu para dizer que, se você aparecesse aqui, era para eu lhe dar um recado. 

– E que recado foi esse? 

– Ele pediu pra dizer "obrigado". 

Madge falou simplesmente e eu senti aquela simples palavra como um murro no estômago.