Peeta Mellark

- Que horas começa o jogo hoje, Peeta? - Madge perguntou. - Sete horas, Mad. - resmungou. 

Parei com o sanduíche a meio caminho da boca. 

- Que jogo? 

- Jogo contra o Angeles, Catnip.- Gale respondeu, parecendo confuso com minha pergunta. - Você não esqueceu, não é? 

- Claro que não.

Eu esqueci completamente desse jogo pelo campeonato regional. E esse time do distrito 1 é nosso maior rival - o que o torna meu esquecimento pior ainda. Mas eu tinha uma boa desculpa: Minha vida havia virado de cabeça para baixo umas três vezes só nessas últimas duas semanas. 

Primeiro eu descubro que o amor da minha vida me odeia; depois eu me descubro sendo "namorada" desde mesmo amor. Era informação demais para ser absorvida. Então eu precisava abrir espaço para armazenar essas mudanças. Que culpa tenho eu se o arquivo que guardava o dia do jogo foi chutado da minha memória por motivos de força maior? 

E afinal, quem é que marca um jogo importante em uma segunda-feira? 

-Ótimo.- Clove falou - Em qual carro nós iremos? 

- Pode ser no meu. Peter e eu passamos na Kat depois na sua casa. - Mad respondeu. -Certo? 

Acenei com a cabeça, pois estava mastigando um pedaço do meu sanduíche. 

- Katniss. - Levantei meu olhar e Finnick estava parado próximo de Cato. E vi Peeta cruzar os braços e encará-lo como se fosse um

assassino. - Temos aula juntos agora, não é mesmo? - o olhar de Finn era de zombação, quando o Mellark passou seu braço por cima do meu ombro. - Como vão todos? Vim apresentar a vocês Annie minha namorada. - Até aquele momento eu não tinha visto o ser ruivo e franzino ao seu lado. - Annie essa é a Kat, e os amigos dela. - A ruiva apenas sorriu. - Nos vemos na aula Kat. - então ele piscou pra mim e juro que se eu não tivesse um amor, eu teria suspirado. 

Peeta apenas me olhou e voltou a cruzar os braços. 

Pouco tempo depois o sinal anunciou o final do intervalo e eu nunca fiquei tão feliz por ouvir aquela sirene estridente. Ser observada como se fosse uma aberração circense por trinta pessoas dentro da sala de aula era melhor do que trezentas em um lugar aberto. 

As outras aulas passaram rápido. Logo estava sentada em minha última aula do dia ouvindo o professor a falar sobre a importância da física na nossa vida. Essa aula foi bem mais calma do que as outras, pois Peeta não estava nela, assim as pessoas disfarçavam mais ao olhar pra mim - mas os zunzunzum dos comentários sobre nosso namoro continuavam a todo vapor. Tentei ao máximo ignorá-los. Uma hora ou outra eles teriam que parar. 

Devo ter apoiado na parede e tirado uma pequena soneca porque levei um susto ao ouvir o sinal. Olhando para o lado vi meus colegas

guardando o material. Estava prestes a fazer o mesmo, mas percebi que o professor havia passado um pequeno trabalho no quadro para ser entregue na próxima semana. Fiz uns garranchos ao anotar o que precisava ser feito, pois a pressa era grande já que estava de carona. Mesmo assim levei um tempo para escrever tudo de modo legível. Então, ao sair para o corredor, encontre-o deserto. Apertando a alça da mochila apressei o passo. Faltava pouco para chegar ao estacionamento quando passei por uma porta entreaberta e ouvi: 

- O que você acha que a Everdeen fez? 

Parei de andar, ficando a poucos metros da porta. Eu não precisava chegar mais perto para ouvir perfeitamente o que era falado lá dentro porque eles não estavam fazendo questão de manter o tom baixo. 

- Chantagem, macumba... não sei. Realmente não sei. - outra voz feminina respondeu - Isso tudo não faz sentido algum. 

- É claro que não faz sentido! É a Everdeen com o Peeta. Em que planeta isso faria sentido? 

Reconheci a dona da voz. Era Foxface a ruiva esbelta e então a outra só podia ser Delly Cartwright, loira dona de um belo corpo. Duas líderes de torcida.

- Eu não acreditei quando me contaram, mas você viu como eles estavam no intervalo! 

- Eu vi! O que é que está acontecendo com o mundo? - resmungou. 

- Já sei! - Delly falou como se estivesse descoberto a cura para o câncer - Ele deve ter feito algum tipo de aposta. 

- Não. Peeta é cavalheiro demais para algo assim. - Foxface acabou com a idéia dela - Talvez caridade. - Acrescentou depois de um tempo. 

- Caridade? 

- É. Você sabe. Fazer uma boa ação para alguém. 

- Pode ser isso mesmo. É a única explicação possível. Lembra de quando nós o ouvimos falando para o Gale como ela o desconcentrava durante o jogo? 

- Lembro. - riu - Quem ela não desconcentraria ? com aqueles gritos desafinados nos ensaios e nos jogos. 

Eu sentia pedacinhos de gelo perfurarem minha pele a cada nova frase que chegava até mim. 

- Eu achava que ele tinha alguma coisa com a Glimmer.

- Eu também, mas era compreensível ele sair com a Glimmer. Agora a Everdeen? Ela não tem nada de especial. Não que ela seja feia... é só comum demais. Sabe? 

- Sei. 

- Elas continuaram a conversa, mas eu já havia ouvido demais. Minhas pernas, e um movimento de autopreservação, seguiram para o estacionamento. 

- Onde você estava? Eu já ia sair para procurá-la. - Madge reclamou. - Desculpe. - Foi a única coisa que consegui dizer. 

Minha melhor amiga foi distraída por Gale assim que fiquei livre de um interrogatório durante o caminho para casa. 

- Está tudo bem? - Peeta perguntou pouco antes de estacionar em frente a minha casa. 

- Sim - Forcei um sorriso - Até depois. - falei antes de saltar do carro e correr para segurança do meu lar. 

Estar no território familiar não melhorou em nada meu estado. Eu sentia vontade de vomitar. Todo aquele veneno das duas animadoras havia me acertado em cheio. Será que era isso que todos estavam

falando? Que Peeta fizera uma aposta ou resolvera bancar o mártir e aguentar a perseguidora por um tempo? 

Caí sentada no sofá da sala, apoiando os cotovelos nos joelhos e sentindo a cor sumir de meu rosto. Felizmente não havia ninguém em casa para observar a minha palidez e fazer perguntas inconvenientes. 

O pior era ter ciência de que mesmo se a escola inteira estivesse acreditando na possibilidade mártir ou na possibilidade de aposta, não estariam completamente enganados. Peeta não " estava comigo" porque queria, estava fingindo para agradar a avó romântica. 

Massageei minha testa, tentando espantar a dor de cabeça que estava começando a se formar. 

Eu tinha que parar de ouvir conversar atrás de portas. Isso estava acabando com a minha sanidade. Aliás, as minhas últimas decisões/ações estavam sendo um atentado ao meu bomsenso. 

Puxei uma almofada para o meu colo e sufoquei um grito nela. Por que tudo tinha que ser tão complicado? 

Engoli em seco, recusando-me a chorar outra vez. Eu havia aceitado aquela situação, portanto devia encará-la de cabeça erguida.

Mudando de posição, deitei no sofá, ainda abraçada à almofada. Eu iria ficar ali só por uns minutinhos... 

Dei um pulo quando o som alto do telefone preencheu o silêncio da casa e me tirou de meu sono. Pelo jeito meus pais ainda não haviam chegado do trabalho e eu que teria que atender a droga do telefone. 

Estendi a mão para cima da cabeça e tateei as cegar a mesinha que ficava ao lado do sofá. 

- Que foi? - resmunguei ao finalmente achar o telefone. 

-Isso é jeito de atender telefone, Everdeen? 

-Tanto faz. - Grunhi, sentado no sofá e passando a mão pelo rosto. 

-Você estava dormindo, não é? - Resmungou - Nós vamos passar ai em dez minutos. 

- Passar aqui? Dez minutos? 

-Para ir ao jogo. Acorda Katniss. - Madge estava impaciente agora. 

Ergui a cabeça e vi que já eram seis e meia da tarde. Arregalei os olhos. 

Eu dormi todo esse tempo? Por que eu dormi todo esse tempo? E no sofá ainda...

Então as lembranças da conversa que eu ouvi mais cedo me bombardearam. 

- Eu não vou. 

-Você o que? Está louca? - Gritou ela - Você é a namorada do capitão do time. Você tem que ir. 

- Estou com dor de cabeça. 

- Kat, você não pode ter dor de cabeça hoje! 

-Isso não é uma questão de escolha, certo? - Grunhi outra vez - Peeta não vai se importar. 

Duvido que ele perceba minha ausência. 

-Mas, Kat.. 

- Eu não vou, Madge. Nem adianta passar aqui. - Frisei essa última frase porque certamente ela faria isso. - Depois você me conta como foi. 

-Kat.. 

-Tchau, Madge. 

Depois disso encerre a chamada, senão ela não pararia de falar. Até que a conversa foi produtiva. Eu não tive muito que mentir. - só que inventei a dor de cabeça.

Apesar de ter sido uma decisão de última hora, acredito ter feito a coisa certa. Como disse a minha amiga, Peeta não se importava com minha ausência, na verdade, ele ficaria alegre. Porque eu o distraia no jogo... não. Não é essa palavra. 

"Lembra de quando nós o ouvimos falando para o Gale como ela o desconcentrava durante o jogo?" 

Ah! Isso! eu o desconcentrava durante o jogo. Então o melhor que eu fazia por ele e por todos que torciam pelos Espartanos - Time de futebol da escola - era ficar bem longe dos jogos importantes. 

Mesmo já tendo me acostumado com a triste verdade da rejeição do meu amor, doía ter minhas suspeitas confirmadas. Eu realmente o constrangia quando ia torcer por ele nos jogos e treinos do time. Ao menos eu havia diminuído esse constrangimento não indo mais ao treinos. Agora só precisava desenvolver um controle maior sobre minhas emoções a fim de voltar a frequentar os jogos. 

Queria que as coisas fossem mais simples... 

Suspirei, voltando a deitar no sofá. Não tinha vontade de subir ao meu quarto para tomar banho e trocar de roupa,a única coisa que queria fazer era ir ao jogo. Mas não podia fazer isso. Meu orgulho e meu bom senso me impediam.

Aguentei passar uma hora e meia no sofá, tentando me distrair com a TV. Então o nervosismo tomou conta de mim e comecei a andar de um lado para o outro na sala, a televisão ligada foi esquecida. 

O jogo já deve ter terminado. Por que, então ninguém me liga contando o que tinha acontecido? 

Eu precisava de notícias ou então desgastaria o tapete da minha mãe de tanto andar sobre ele sem rumo nenhum. Estava indo em direção ao telefone quando a campainha tocou. Franzi o cenho, mudando o caminho. 

Ao abrir a porta, a primeira coisa que reconheci foi a jaqueta vermelha com um "E" dourando de Espartanos - Exclusiva dos membros do time; a segunda foi a voz masculina que disse: 

- Precisamos conversar.